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Notícias de lá, notícias de cá
[por Christiana Fausto, Brasil - Outubro de 2003
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Rebulias na Bahia Demonstrações pressionam governo e o transporte público não fica mais barato, porém volta a vigorar a meia-passagem para sábados, domingos, feriados e férias. A questão é complicada e a repercussão foi tão grande que exigiu uma imediata reunião de todos os prefeitos de capital do Brasil para a discussão do problema. leia mais

Durante sete dias, os estudantes secundaristas de Salvador (Ba) pararam a cidade, interditando as ruas e impedindo o tráfego dos ônibus, em protesto contra o aumento da passagem de R$1,30 para R$1,50. Foi um deslumbramento ver o poder de adolescentes, ou recém-saídos da adolescência, de forma espontânea, ordeira e bem-humorada, protestarem contra um problema que atinge diretamente o bolso não só dos estudantes, mas da população em geral.

Em Salvador, sábados, domingos e feriados, além das férias, não valem como meia-passagem, o que era uma reivindicação dos estudantes, além da recriação do Conselho Paritário, envolvendo estudantes, prefeitura e empresários, que existia, mas foi extinto, para que estes aumentos não sejam tão arbitrários.
A questão é complicada e a repercussão foi tão grande que exigiu uma imediata reunião de todos os prefeitos de capital do Brasil para a discussão do problema. Por um lado, os empresários reclamam dos constantes aumentos de combustível, desgaste dos pneus agravados pelas más condições das vias, enfim, acham que têm razão. Por outro, uma população já massacrada pelos baixos salários (isto para quem consegue emprego formal), não suporta mais nenhum tipo de extorsão.

Os governantes se apavoraram com o que aconteceu na Bahia e temendo um efeito multiplicador, discutiram entrar com algum tipo de subsídio para contornar a situação. O certo é que a passagem, em Salvador, continuou a custar R$1,50, mas valendo a meia passagem para sábados, domingos, feriados e férias, além de abranger agora estudantes de mestrado. O Conselho Paritário também foi recriado. Valeu, galera!

Poder pararelo no Rio de Janeiro

Passando agora do poder de pressão que adolescentes podem fazer para autoridades do Brasil inteiro, para um poder que está totalmente fora de controle das autoridades do Brasil inteiro, mais especificamente do Rio de Janeiro: o chamado "poder paralelo” está tão independente no Rio que simplesmente proibiu um desfile cívico em comemoração ao dia da "independência” do Brasil, 7 de setembro, que envolvia 17 escolas públicas e particulares, com um total de 11 mil alunos, que ocorreria na zona oeste.

Também, com as autoridades que temos, principalmente o parvo Garotinho no comando da Segurança Pública, a impunidade corre solta, tanto que 10 anos depois das chacinas da Candelária e Vigário Geral até hoje nenhum policial ou governante foi punido. Para completar, o governo "Rosinha” suspendeu o convênio que mantinha com a ONG Viva Rio, de credibilidade inquestionável, que contabilizava a violência carioca. Daí em diante, os números despencaram. Mais detalhes sobre este tema no excelente artigo de Xico Vargas "A independência do tráfico”, no site www.nominimo.com.br.

O Rio, praticamente sob o comando do poder paralelo e com este secretário de segurança, ainda tenta mobilizar-se contra a violência. Quarenta mil pessoas participaram da passeata "Brasil sem armas”, na orla de Copacabana. Compareceram dois ministros (Justiça e Comunicações), o secretário especial de Direitos Humanos e outras autoridades federais. É a classe média acuada diante da inoperância do poder público, tentando resistir. Quem vai desarmar os traficantes? Quem vai fiscalizar e punir agentes, como o que recebeu R$ 400 mil da mão de Fernandinho Beira Mar e Marcinho VP, coincidentemente juntos no mesmo presídio, para abrir a cela de Uê e matá-lo junto com dois cunhados e ainda contar com o apoio de guardas que ajudaram a carbonizá-lo?
Mas passeata, na orla de Copacabana, francamente, é muito pouco eficaz, ou absolutamente ineficaz para um problema que a incompetência administrativa (de décadas) deixou chegar a esse ponto. Ainda no clima baixo astral, a família do traficante Uê, morto em setembro do ano passado dentro de uma cadeia de segurança máxima, resolveu fazer uma missa em sua memória, justamente na igreja da Candelária.

O parvo Garotinho anunciou na véspera que filmaria todos os que fossem à missa, como se traficante tivesse tempo para isso. Anunciou, a imprensa inteira compareceu, os familiares, que não passavam de 30, não puderam terminar a missa porque um dos presentes foi autuado como "apologista do tráfico” ao portar uma camiseta com os dizeres: "Saudades eternas a nosso mano Uê” e "Será sempre nosso general”.
A missa teve que ser interrompida, claro, e houve um início de tumulto. Marcos Sá Correa descreve, indignado, o episódio, no artigo "Bangu I não é a Candelária”, no site www.nominimo.com.br. Uê nunca foi santo, antes que eu também seja autuada como apologista do tráfico. Há 6 anos matou 11 ex-aliados no Complexo do Alemão e estava condenado a 277 anos de prisão, foi assassinado cumprindo pena sob a "guarda” do Estado, mais uma vez, como Marcinho VP, já comentado em colunas anteriores. Até hoje não entendo para que tanto tempo de condenação, se ninguém vive tanto e se, no Brasil, por lei, o máximo que um detento pode ficar preso são 30 anos, deve ser para impressionar a torcida!

Depois querem melhorar a imagem do Brasil lá fora! O Uruguai, pasmem! recebe anualmente mais turistas que o Brasil. Claro que lá tem cassinos legalizados e neve, mas não é possível que um país equivalente ao Rio Grande do Sul em extensão, supere a gente na recepção de turistas. Números absolutos. Então não é a distância da Europa e dos Estados Unidos, como argumentam alguns, o motivo desse disparate.

Internacional: o encontro de pobres e ricos em Cancún termina em impasse Lula foi aos EUA, México e Cuba. Na sede da ONU fez um discurso audacioso contra a guerra de um modo geral, afirmando que a única guerra que vale a pena é contra a fome e a miséria que assolam o planeta. leia mais

O Encontro de Cancún, como já era esperado, tratou mais de questões comerciais do que ideológicas, como costuma acontecer nestes tempos de novo capitalismo. Norte e Sul é a questão. Ricos e pobres, para ser mais explícita. O Norte (EUA e Europa) quer, teoricamente, a abertura de mercado, mas o subsidia (o que barateia, evidentemente, seus produtos) e agora apresentam, em uníssono, uma novidade: barreiras de acesso a mercados que exportam mais do que importam produtos agrícolas. O Sul, então, resolveu criar o "Grupo dos 20”, do qual o Brasil é um dos inspiradores e líderes. Todos têm em comum presença forte no mercado agrícola. Para maiores detalhes do desdobramento desta guerra Norte x Sul, ler "The Effects of Financial Globalization on Developing Countries: Some Empirical Evidence, em www.imf.org.

Na opinião de José Paulo Kupper, a inserção brasileira na "globalização”, que começou há duas décadas, tem sido um desastre. Desceu ladeira abaixo, diz ele, no artigo "As Marés da Globalização” no site nominimo. A fatia que nos cabe no comércio mundial não chega a 1% do total. Vexame é pouco!

Para levantar o astral, ler "A Globalização Imaginada”, do argentino-mexicano Nestor Garcia Canclini, tradução de Sérgio Molina, Ed. Iluminuras, 224 pg. R$39,00. Ele diz textualmente que "Há no nosso futuro muito mais oportunidades do que a opção entre McDonald’s e Macondo (cidade mítica de "Cem Anos de Solidão”). A cultura, e não o dinheiro, são suas principais ferramentas. Estamos de pleno acordo!

Lula foi aos EUA, México e Cuba. Na sede da ONU fez um discurso audacioso contra a guerra de um modo geral, afirmando que a única guerra que vale a pena é contra a fome e a miséria que assolam o planeta. Grande sacada para quem quer emplacar seu programa de "Fome Zero” e liderar o "Grupo dos 20” do Encontro de Cancún, sem contar, claro, com a diretíssima para Bush e sua insana obsessão bélica. Já comentamos aqui, e isso é exaustivamente repetido pela imprensa do mundo todo, que além do Édipo mal resolvido de Bush Jr (que quer superar painho), existem interesses petrolíferos e apoio declarado da indústria bélica que o ajudou a se eleger e não quer ver seus mísseis tornarem-se obsoletos, sem um uso prático. Ou seja, estarão inventando motivos para bombardear algum país.

A passagem por Cuba foi mais discreta do que prometia. "Foi um encontro para tratar de negócios, não de política”, explicou Lula mais tarde. Relembrou que, na posse de Collor, recebeu uma visita de Fidel, o que foi muito significativo para ele, na época derrotado. "São gestos que não se esquecem”, disse Lula, e talvez por isso, tenha preferido tratar de assunto mais amenos com Fidel.

Plantio da soja transgênica no Brasil, liberação por engano?

O Enquanto Lula viajava, o vice José de Alencar assumiu a presidência, como é costume nestas ocasiões. Só que provocou a maior polêmica ao publicar, no Diário Oficial da União, uma Medida Provisória que liberava o plantio da soja transgênica no Brasil. Depois tentou consertar, dizendo que a versão publicada não foi a mesma assinada por ele. Atribuiu a inaceitável ratada a um e-mail errado, anterior às modificações que foram feitas numa reunião com ministros e parlamentares. Isso pode acontecer num país sério? O Brasil passou anos negando que houvesse plantação deste tipo de soja para comercialização, que apenas cultivava pequenos lotes para experimentação, pesquisa, e de repente, quando Lula viaja para os EUA, México e Cuba, o vice José de Alencar, com uma "canetada”, passa a considerar legal a produção desta soja no Brasil.

Aí então é que se foi descobrir que isto já existe, em escala comercial, há muito tempo, com grandes agricultores que plantam 100% de soja transgênica, que é muito mais viável economicamente, o que aumenta o lucro ao economizar com herbicidas. Se isso afeta de algum modo a saúde humana ainda não se sabe, pois os testes feitos nos Estados Unidos incluíram apenas ratos, mas a multinacional Monsanto não está muito interessada nisso e está correndo atrás de indenizações dos produtores da soja transgênica que entrou ilegalmente no Brasil, o que não lhe rendeu nenhum royaltie. Neste caso, literalmente, "correndo atrás do prejuízo”, como se diz por aqui.

Breves, Breves...

Um pouco de notícia boa, também, que ninguém é de ferro: aconteceu em São Paulo a 5a. Bienal de Arquitetura e Design cujo tema principal foram as "Metrópoles”. Participaram cerca de 500 arquitetos e designers do Brasil e do exterior. Maiores detalhes no site www.bienalsaopaulo.org.br.

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Aconteceu em Brasília um grande festival internacional de Rock, como já não se via há muito tempo por aqui. A crise da Argentina (olha notícia ruim de novo) inviabiliza a vinda de pop stars como na época do Rock in Rio, porque fica muito cara a viagem só para o Brasil.

E para terminar, aquele caso de Gerald Thomas comentado na coluna passada, de mostrar o traseiro ao público indignado com as vaias que recebeu após a ópera "Tristão e Isolda” foi parar no Ministério Público, que lhe propôs o pagamento de 5 salários mínimos a uma instituição de caridade para arquivar o processo. Claro que Gerald se recusou à multa, pois seria assumir uma culpa que ele não admite ter cometido. Um artista, segundo ele, pode fazer o que quiser no palco. Era só o que faltava! Parece que este Ministério não tem mesmo coisa mais importante pra fazer. Drummond fez uma poesia linda sobre a bunda, com qual nos despedimos.

 

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Diz assim:

"A bunda, que engraçada

Está sempre sorrindo, nunca é trágica(...)

Não lhe importa o que vai pela frente do corpo

A bunda basta-se

Existe algo mais? Talvez os seios

Ora - murmura a bunda - esses garotos

ainda lhes falta muito que estudar”


Até a próxima!

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